No decorrer da história percebemos o aparecimento de uma justiça que, por ser justificadora do opressor, se põe como conservadora, como mantenedora e legitimadora ideológica de uma certa ordem social que articula e facilita a dominação. Nesse sentido, cabe a conceituação que Marilena Chaui faz de ideologia, quando afirma: "A ideologia, forma específica do imaginário social moderno, é a maneira necessária pela qual os agentes sociais representam para si mesmos o "aparecer" social, econômico e político, de tal sorte que essa aparência (que não devemos simplesmente tomar como sinônimo de ilusão ou falsidade), por ser o modo imediato e abstrato de manifestação do processo histórico, é o ocultamento ou a dissimulação do real".
Desse modo, a idéia de justiça, enquanto expressão dos opressores, nada mais faz senão ocultar as reais contradições que estão na sociedade, até porque, ainda seguindo Chaui, essa idéia tem como função o "apagamento das diferentes e contradições".
A idéia conservadora ou mantenedora de justiça tem como função não somente justificar a opressão mas segurar as transformações sociais, paralisar a históri, pois será essa pretensão à perenidade que vai fortalecer um certo tipo de opressão, exercida por meio de grandes e pequenos poderes.
As justificativas meta históricas dão validade à representação que sustenta essa idéia de justiça. Além disso, certos recursos formais fornecem o elastério necessário para que haja a flexibilidade do exercício do poder. "Dar a cada um o que é seu" é uma expressão carente de sentido, mas frequentemente usada para definir uma das dimensões da justiça, porque é uma frase vazia, sem sentido, e que, por isso mesmo, se reveste de frande utilidade. Tudo e nada podem ser "o seu de cada um". Em nenhum caso estará o poder opressor violando as "normas eternas" que regem o agir imposto por sua ordem.
Essa justiça fora do tempo, com desígnios de tornar o passado como eternidade, encontra, dialeticamente, sua negação pois o exercício concreto da opressão engendra comportamentos reativos que vão articular novo pensar, nova idéia de justiça.
A justiça opressora é oficial. Oficial não somente em relação às instituições ou paraestatais que exercem seu domínio tendo essa idéia como respaldo, mas oficial porque privilégio de um conhecimento aceito, sistemárico, exercido por especialistas, por donos de um conhecimento acrítico e aceito que deve ser reproduzido, a cada passo, nas famílias, no trabalho, nas escolas e no Estado. É uma idéia de justiça que não é um trabalho, mas uma acumulação não reflexiva.
A justiça conservadora representa a ordem, o equilíbrio, a equidistância, a eternização de uma dada fase histórica, a simplificação do mundo e por issom mesmo traduz a grande inversão que marca a representação ideológica: os justos são opressores, injustos serão os oprimidos.
Mas, ao lado dessa idéia de justiça, fruto de um pensar necessariamente a-histórico, surge a possibilidade de uma concepção histórica de justiça, isto é, de uma idéia de justiça que seja fruto e expressão das reais constradições do mundo social, uma concepção que não mais emerge de um conhecimento cristalizado e aceito pelos poderosos, mas de um trabalho, de um saber.
Chaui assim trata o problema do saber, em oposição ao conhecimento oficial: "O saber é o trabalho para elevar à dimensão do conceito uma situação de não-saber, isto é, a experiência imediata cuja obscuridade pede o trabalho de clarificação". Continuando a reflexão, adita: "Só há saber quando a reflexão aceita o risco da indeterminação que a faz nascer, quando a reflexão aceita o risco de não contar com garantias prévias e exteriores à própria experiência e à própria reflexão que a trabalha".
A idéia de justiça transformadora só poderá ser fruto de um saber crítico, de um saber que se opõe ao conhecimento instituído, de um saber histórico que expresse as constradições, que é precário e provisório pois fruto da reflexão sobre a experiência obscura vivida, que se torna o alvo de um processo de desvelamento e clarificação.
Essa visão transformadora não está mais rspaldade em uma hierarqui, em uma organização dissimuladora das dominações, mas tem como fulcro a esperança de clarificação que o saber proporciona, enquanto iluminador da experiência historicamente situada.
Desse modo, a concepção de justiça que emerge não será mais harmônica, pois imersa nas contradições, não será mais equidistante porque comprometida, não será mais legitimadora de uma ordem, mas contestadora. Em suma, a justiça emergente de uma reflexão sobre o desequilíbrio, sobre a dominação.
Em termos mais concretos, o que significaria uma concepção de justiça que se encaminharia nesse sentido? Essa concepção deveria estar imersa no mundo. Não mais um mundo da ordem e da hierarquia, mas um mundo onde a dominação e as contradições estão presentes como marcas nodais. Não mais uma idéia de justiça que tivesse como respaldo especificações meta históricas mas o próprio devir que se desvela na sucessão de contradições. Uma justiça que tem de tomar como base as pequenas e grandes dominações que são exercidas no mundo, o que gera uma divisão clara e fecunda enquanto fenômenos: o viver dos opressores e o viver dos oprimidos, entendido esse viver como as relações concretas que se instauram a nível econômico, político e social que põem a nu não somente uma classe como contradição e morte da outra, mas também a definitiva irredutibilidade da epistéme a serviço da dominação àquela que expressa a experiência dos oprimidos. Por isso a justiça respaldada na experiência não há de ser neutra, mas comprometida, não há de ser expressão ideológica dos opressores, mas instrumento e bandeira da experiência e da esperança dos oprimidos.
Essa a idéia de justiça transformadora que há de ser mais um veículo de amálgama das maiorias silenciadas, da estruturação de princípios que hão de ser alavancas de transformações sociais, econômicas e políticas no sentido do caminhar histórico.
vídeo sobre o manifesto comunista
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=D3UOFDtkgTM
Fez só ctrl c e crtl v da obra do grandioso Roberto aguiar
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