Por Luana Bonone, no sítio Vermelho:
Eles são 8,2 milhões de pessoas, representando 22% dos trabalhadores com carteira assinada no Brasil, de acordo com estudo realizado pelo Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros (Sindeprestem), de São Paulo. Tratam-se dos trabalhadores terceirizados, que na maior parte das vezes não possuem os mesmos direitos que os trabalhadores efetivos das empresas. Além disso, o modelo de contrato dificulta a organização sindical.
A década de 1990 foi marcada por uma reestruturação da organização produtiva. O alastramento e consolidação do neoliberalismo no mundo, evidenciado pelas políticas de redução do papel do Estado em todas as instâncias da vida social, especialmente na economia, acarretou a implementação de políticas várias de precarização do trabalho e perda e/ou flexibilização dos direitos trabalhistas.
Nesse contexto, a terceirização, que aparece apenas como uma forma de organização do trabalho, assume característica de precarização. Combatida frontalmente pelo movimento sindical na década de 1980 no Brasil, a terceirização passa a ser implementada sem que haja regulamentação. A única regra vigente é a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, entre outras definições, estabelece que a atividade-fim de uma empresa não pode ser terceirizada, apenas as atividades-meio.
Soma-se a esse cenário a dificuldade do movimento sindical em chegar até esses trabalhadores, por serem alvos mais frágeis de práticas antissindicais.
Argumento furado
Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 54% das empresas ligadas à indústria utilizam serviços terceirizados (dados de 2009). Em que pese os alegados argumentos de agilidade e modernização da gestão, 91% dessas empresas indicam um único motivo para terceirizar: redução de custo.
Dados do Dieese informam que, para uma mesma atividade profissional, enquanto o efetivado ganha em média R$ 1.444, o terceirizado recebe, em média, R$ 799.
Tais informações jogam por terra a defesa oportuna de que o fenômeno da terceirização se justifica pela modernização da gestão, escancarando o seu real propósito de redução do custo do trabalho por meio da precarização do trabalho.
De acordo com o secretário de Política Sindical e Relações Institucionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Joílson Antonio Cardoso, “o objetivo dos patrões é acumular lucro, é aumentar o lucro diminuindo a massa salarial dos trabalhadores. A terceirização serve para burlar direitos e ocasiona mais acidentes de trabalho”.
A informação de Joílson é confirmada pelo Departamento Intersindical de Estudos Sociais e Econômicos (Dieese). Estudo realizado pela rede de eletricitários do Dieese mostra que a incidência de mortes no trabalho para os terceirizados chega a ser quatro vezes e meia maior do que para os trabalhadores próprios. De acordo com o estudo, o segmento contava, em 2008, com 227,8 mil trabalhadores, dos quais 126,3 mil eram terceirizados, o que correspondia a 55,5% da força de trabalho do setor. Em 2008, a taxa de mortalidade da força de trabalho do setor elétrico foi de 32,9 mortes por grupo de 100 mil trabalhadores. Naquele ano, a análise segmentada da força de trabalho revelou uma taxa de mortalidade 3,21 vezes superior entre os trabalhadores terceirizados em relação ao verificado para o quadro próprio. A taxa ficou em 47,5 para os terceirizados contra 14,8 para os trabalhadores do quadro próprio das empresas.
Trabalhador de segunda categoria
O primeiro secretário-geral da Força Sindical, Sergio Luiz Leite, explica que é comum os trabalhadores terceirizados comerem em um refeitório diferente e terem o transporte separado dos funcionários contratados diretamente pelas empresas. “É para evitar a criação de vínculo trabalhista”, explica Sergio, que diz que as condições de segurança e salubridade, em geral, também são diferentes.
Para Joilson, a organização desses trabalhadores para lutarem por melhores condições é dificultada pela própria natureza da terceirização: “como esses trabalhadores são precarizados, discriminados, tornam-se mais vulneráveis às pressões, chantagens e a práticas antissindicais, pois há muitos casos em que os sindicalizados não são contratados. É como se fosse um trabalhador sem face. A empresa tomadora não quer conversa com ele, quer serviço prestado, estabelecendo, assim, uma relação mecânica, automática”, avalia o dirigente da CTB.
Os dois dirigentes sindicais apontam empresas estatais como grandes terceirizadoras: Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal são citadas por ambos. A Petrobrás, por exemplo, dobrou o número de terceirizados de 2005 a 2010, passando de 155 mil para 310 mil trabalhadores terceirizados. Considerando que a empresa possui apenas 76.977 efetivos, o número de terceirizados chega a 80%. O Ministério Público investiga a utilização de mão de obra terceirizada em atividades-fim da Petrobrás.
Outro problema apontado é o desvio de função. Sergio explica que há muitos casos em que o trabalhador é contratado para um serviço auxiliar e acaba sendo aproveitado na linha de produção.
Digitadores, contratados pela Master Petro Serviços Industriais Ltda., que prestam serviço nos Departamentos de Polícia Judiciária (DPJs) de todo o estado do Espírito Santo, por exemplo, estão entrando com ações coletivas contra a empresa por desvio de função, falta de pagamento de benefícios, jornada de trabalho exaustiva, dentre outras irregularidades. Os profissionais em processamento de dados que prestam serviço nos DPJs alegam que trabalham em desvio de função, exercendo funções de escrivães e recebendo pouco mais de R$ 700 de salários, sem qualquer respaldo ou proteção especial.
Para Joilson Cardoso, se a terceirização fosse permitida também para atividade-fim, como propõe projeto em tramitação no Congresso Nacional, “poderia existir uma empresa em que um grande empresário não tivesse nenhum funcionário, contratando apenas outras empresas, prestadoras de serviços. A relação então seria de pessoa jurídica para pessoa jurídica. O compromisso social das empresas acabaria”, opina o sindicalista.
PL das centrais
Em busca de uma regulamentação do trabalho terceirizado, de forma a favorecer a proteção dos direitos dos trabalhadores, CTB e Força Sindical defendem a proposta de Projeto de Lei das centrais sindicais para o tema. Segundo Joílson e Sergio, o PL restringe e criteriza a prática da terceirização, definindo a diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio e exige quatro pontos antes da contratação de um serviço terceirizado: a) comunicação à entidade sindical com 120 dias de antecedência, com justificativa; b) a empresa deve prestar informações sobre os serviços e atividades terceirizados: quantidade de trabalhadores, custos e metas, e locais onde serão prestados os serviços; c) é obrigatória a existência de um contrato entre as empresas: a tomada de trabalhadores terceirizados tem que ter prazo, controle mensal, padrões de saúde e condições de trabalho adequadas; e d) a exigência de responsabilidade solidária, ou seja, ambas empresas têm responsabilidade sobre a garantia dos direitos trabalhistas, sendo que o caberá ao trabalhador escolher quem acionar em caso de litígio.
Nesta proposta, o trabalhador terceirizado pode se sindicalizar e obter direito do melhor acordo. Para exemplificar, será utilizado um exemplo fictício de um ascensorista terceirizado e um concursado trabalhando no Banco do Brasil. Hoje o terceirizado recebe salário menor em 30 a 40% do que o concursado, segundo Joilson. Segundo a proposta das centrais, o que ganha menos tem que ter seu salário equiparado ao que recebe mais, na mesma função. O mesmo vale para conquistas de reajuste após a admissão. O PL estabelece, ainda, multa por descumprimento das suas definições.
Sergio conclui defendendo que a terceirização pode ser uma alternativa para serviços bastante especializados, como a prospecção de petróleo em alto mar, feita por uma empresa contratada pela Petrobrás. Para ele, entretanto, o desafio do movimento sindical é “inserir esses trabalhadores na grande luta sindical”, pois mesmo que o PL das centrais seja aprovado, ainda haverá benefícios que os terceirizados não receberão, como Participação nos Lucros e Resultados (PLR), abonos salariais, planos de saúde, etc.
Eles são 8,2 milhões de pessoas, representando 22% dos trabalhadores com carteira assinada no Brasil, de acordo com estudo realizado pelo Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros (Sindeprestem), de São Paulo. Tratam-se dos trabalhadores terceirizados, que na maior parte das vezes não possuem os mesmos direitos que os trabalhadores efetivos das empresas. Além disso, o modelo de contrato dificulta a organização sindical.
A década de 1990 foi marcada por uma reestruturação da organização produtiva. O alastramento e consolidação do neoliberalismo no mundo, evidenciado pelas políticas de redução do papel do Estado em todas as instâncias da vida social, especialmente na economia, acarretou a implementação de políticas várias de precarização do trabalho e perda e/ou flexibilização dos direitos trabalhistas.
Nesse contexto, a terceirização, que aparece apenas como uma forma de organização do trabalho, assume característica de precarização. Combatida frontalmente pelo movimento sindical na década de 1980 no Brasil, a terceirização passa a ser implementada sem que haja regulamentação. A única regra vigente é a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que, entre outras definições, estabelece que a atividade-fim de uma empresa não pode ser terceirizada, apenas as atividades-meio.
Soma-se a esse cenário a dificuldade do movimento sindical em chegar até esses trabalhadores, por serem alvos mais frágeis de práticas antissindicais.
Argumento furado
Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 54% das empresas ligadas à indústria utilizam serviços terceirizados (dados de 2009). Em que pese os alegados argumentos de agilidade e modernização da gestão, 91% dessas empresas indicam um único motivo para terceirizar: redução de custo.
Dados do Dieese informam que, para uma mesma atividade profissional, enquanto o efetivado ganha em média R$ 1.444, o terceirizado recebe, em média, R$ 799.
Tais informações jogam por terra a defesa oportuna de que o fenômeno da terceirização se justifica pela modernização da gestão, escancarando o seu real propósito de redução do custo do trabalho por meio da precarização do trabalho.
De acordo com o secretário de Política Sindical e Relações Institucionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Joílson Antonio Cardoso, “o objetivo dos patrões é acumular lucro, é aumentar o lucro diminuindo a massa salarial dos trabalhadores. A terceirização serve para burlar direitos e ocasiona mais acidentes de trabalho”.
A informação de Joílson é confirmada pelo Departamento Intersindical de Estudos Sociais e Econômicos (Dieese). Estudo realizado pela rede de eletricitários do Dieese mostra que a incidência de mortes no trabalho para os terceirizados chega a ser quatro vezes e meia maior do que para os trabalhadores próprios. De acordo com o estudo, o segmento contava, em 2008, com 227,8 mil trabalhadores, dos quais 126,3 mil eram terceirizados, o que correspondia a 55,5% da força de trabalho do setor. Em 2008, a taxa de mortalidade da força de trabalho do setor elétrico foi de 32,9 mortes por grupo de 100 mil trabalhadores. Naquele ano, a análise segmentada da força de trabalho revelou uma taxa de mortalidade 3,21 vezes superior entre os trabalhadores terceirizados em relação ao verificado para o quadro próprio. A taxa ficou em 47,5 para os terceirizados contra 14,8 para os trabalhadores do quadro próprio das empresas.
Trabalhador de segunda categoria
O primeiro secretário-geral da Força Sindical, Sergio Luiz Leite, explica que é comum os trabalhadores terceirizados comerem em um refeitório diferente e terem o transporte separado dos funcionários contratados diretamente pelas empresas. “É para evitar a criação de vínculo trabalhista”, explica Sergio, que diz que as condições de segurança e salubridade, em geral, também são diferentes.
Para Joilson, a organização desses trabalhadores para lutarem por melhores condições é dificultada pela própria natureza da terceirização: “como esses trabalhadores são precarizados, discriminados, tornam-se mais vulneráveis às pressões, chantagens e a práticas antissindicais, pois há muitos casos em que os sindicalizados não são contratados. É como se fosse um trabalhador sem face. A empresa tomadora não quer conversa com ele, quer serviço prestado, estabelecendo, assim, uma relação mecânica, automática”, avalia o dirigente da CTB.
Os dois dirigentes sindicais apontam empresas estatais como grandes terceirizadoras: Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal são citadas por ambos. A Petrobrás, por exemplo, dobrou o número de terceirizados de 2005 a 2010, passando de 155 mil para 310 mil trabalhadores terceirizados. Considerando que a empresa possui apenas 76.977 efetivos, o número de terceirizados chega a 80%. O Ministério Público investiga a utilização de mão de obra terceirizada em atividades-fim da Petrobrás.
Outro problema apontado é o desvio de função. Sergio explica que há muitos casos em que o trabalhador é contratado para um serviço auxiliar e acaba sendo aproveitado na linha de produção.
Digitadores, contratados pela Master Petro Serviços Industriais Ltda., que prestam serviço nos Departamentos de Polícia Judiciária (DPJs) de todo o estado do Espírito Santo, por exemplo, estão entrando com ações coletivas contra a empresa por desvio de função, falta de pagamento de benefícios, jornada de trabalho exaustiva, dentre outras irregularidades. Os profissionais em processamento de dados que prestam serviço nos DPJs alegam que trabalham em desvio de função, exercendo funções de escrivães e recebendo pouco mais de R$ 700 de salários, sem qualquer respaldo ou proteção especial.
Para Joilson Cardoso, se a terceirização fosse permitida também para atividade-fim, como propõe projeto em tramitação no Congresso Nacional, “poderia existir uma empresa em que um grande empresário não tivesse nenhum funcionário, contratando apenas outras empresas, prestadoras de serviços. A relação então seria de pessoa jurídica para pessoa jurídica. O compromisso social das empresas acabaria”, opina o sindicalista.
PL das centrais
Em busca de uma regulamentação do trabalho terceirizado, de forma a favorecer a proteção dos direitos dos trabalhadores, CTB e Força Sindical defendem a proposta de Projeto de Lei das centrais sindicais para o tema. Segundo Joílson e Sergio, o PL restringe e criteriza a prática da terceirização, definindo a diferenciação entre atividade-fim e atividade-meio e exige quatro pontos antes da contratação de um serviço terceirizado: a) comunicação à entidade sindical com 120 dias de antecedência, com justificativa; b) a empresa deve prestar informações sobre os serviços e atividades terceirizados: quantidade de trabalhadores, custos e metas, e locais onde serão prestados os serviços; c) é obrigatória a existência de um contrato entre as empresas: a tomada de trabalhadores terceirizados tem que ter prazo, controle mensal, padrões de saúde e condições de trabalho adequadas; e d) a exigência de responsabilidade solidária, ou seja, ambas empresas têm responsabilidade sobre a garantia dos direitos trabalhistas, sendo que o caberá ao trabalhador escolher quem acionar em caso de litígio.
Nesta proposta, o trabalhador terceirizado pode se sindicalizar e obter direito do melhor acordo. Para exemplificar, será utilizado um exemplo fictício de um ascensorista terceirizado e um concursado trabalhando no Banco do Brasil. Hoje o terceirizado recebe salário menor em 30 a 40% do que o concursado, segundo Joilson. Segundo a proposta das centrais, o que ganha menos tem que ter seu salário equiparado ao que recebe mais, na mesma função. O mesmo vale para conquistas de reajuste após a admissão. O PL estabelece, ainda, multa por descumprimento das suas definições.
Sergio conclui defendendo que a terceirização pode ser uma alternativa para serviços bastante especializados, como a prospecção de petróleo em alto mar, feita por uma empresa contratada pela Petrobrás. Para ele, entretanto, o desafio do movimento sindical é “inserir esses trabalhadores na grande luta sindical”, pois mesmo que o PL das centrais seja aprovado, ainda haverá benefícios que os terceirizados não receberão, como Participação nos Lucros e Resultados (PLR), abonos salariais, planos de saúde, etc.
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